Município sensibilizado com a perda de Adolf Seilacher
O geólogo alemão
Adolf Seilacher, falecido no passado dia 26 de abril, aos 89 anos,
é justamente reconhecido como um dos nomes maiores da ciência
contemporânea. A sua obra gerou novos contributos para o
conhecimento da evolução da vida e divulgou a Paleontologia como
uma das mais importantes ferramentas para a sua
investigação.
Idanha-a-Nova e o país
muito lhe devem. Os seus saberes profundos fizeram com que
revolucionasse várias áreas da Paleontologia e foram decisivos no
estudo e valorização do património geológico
português.
O Município de
Idanha-a-Nova fica-lhe especialmente reconhecido pelo seu trabalho
na inventariação e promoção do património deste
concelho.
Através da sua obra
científica e de valorização patrimonial, o Professor Adolf
Seilacher deixa um legado fundamental em Idanha-a-Nova. Contribuiu
para a internacionalização do Parque Icnológico de Penha Garcia e
foi decisivo na candidatura do Geopark Naturtejo da Meseta
Meridional à rede da UNESCO.
A todos os que com ele
tiveram a honra de colaborar, resta-nos a determinação em valorizar
o seu legado e em aproveitar da melhor maneira tudo o que nos
ensinou.
Adolf
Seilacher (24 de Fevereiro de 1925 - 26 de Abril de
2014)
Dolf Seilacher (que era assim que
preferia que os amigos o tratassem) nasceu há 89 anos em Stuttgart,
no Sul da Alemanha. Espírito curioso de uma energia avassaladora
que conservou até aos seus últimos dias, cedo se dedicou à
Paleontologia, tendo publicado o primeiro artigo científico aos 18
anos de idade. A sua juventude foi tão conturbada quanto os tempos
de guerra que presenciou, tendo sobrevivido à escolástica hipnótica
de Hitler e à queda do império em Berlim. Nos tempos de colapso
económico pós-guerra, Dolf Seilacher subsistiu e pagou os seus
estudos universitários em Tübingen colhendo cogumelos nos bosques.
Graças às dificuldades, a Alemanha ganhou um micologista
reputado!
Em 1951, o geólogo Dolf Seilacher
termina a sua tese de doutoramento em icnofósseis sob a orientação
do Prof. Schindewolf e, com as suas ideias inovadoras, em parte
assentes nas descrições do pioneiro da Paleontologia portuguesa,
Joaquim Filipe Nery Delgado, torna-se o pai da Icnologia moderna.
No ano seguinte, parte para a Índia naquela que seria a primeira de
centenas de viagens de investigação que promoveu até ao final da
sua carreira e da sua vida. Os seus conhecimentos profundos de
Biologia e Geologia fizeram com que revolucionasse outras áreas da
Paleontologia, como a Morfologia Funcional (paixão que lhe consumia
horas era a morfodinâmica do exosqueleto e a auto-organização), a
Ecologia Evolutiva (ao nível da divulgação científica, quem já não
ouviu falar dos Vendobionta do final do Precâmbrico?) ou a
Tafonomia (os Fossil Lagerstätten), e a Sedimentologia, através do
estudo dos efeitos ecológicos de eventos sedimentares, tendo
publicado centenas de artigos nas mais importantes revistas
científicas. No mesmo ano (1951) torna-se professor da Universidade
de Tübingen, à qual ficou ligado até 1990 e que veio a celebrizar
até aos dias de hoje. Desde 1987 que o Prof. Seilacher dava aulas
no curso de Geologia da Universidade de Yale, nos E.U.A., retirando
muito prazer da discussão com jovens mentes brilhantes.
A partir de 1960, o Prof. Seilacher
viaja pelo mundo como professor convidado, dando aulas de
Paleontologia e Zoologia em reputadas universidades de todos os
continentes. De Portugal, conhece os afloramentos de Barrancos
ainda na década de 60 e Penha Garcia, que passou a admirar quando
aqui desenvolveu estudos a partir de 2000 com o signatário deste
texto. Quem não esquece é o paleontólogo português do séc. XIX,
Joaquim Nery Delgado, e a sua obra, que influenciou decisivamente
Seilacher. Com uma carreira académica de 71 anos(!), Dolf Seilacher
acumulou diversos cargos e funções, desde director do Departamento
e da Faculdade em Tübingen e presidente das mais prestigiadas
associações paleontológicas, a curador de museus e a editor das
principais revistas paleontológicas e geológicas da Alemanha, como
a reconhecida Lecture Notes in Earth Sciences, de que era co-editor
desde 1985. A sua temática de investigação é abrangente e a sua
área de trabalho engloba mais de 26 países espalhados por todos os
continentes! Em 2003, esta área é estendida aos fundos abissais da
Dorsal Medio-Atlântica, com a realização de um mergulho no âmbito
do documentário Volcanoes of the Deep-sea!, uma poética homenagem
ao seu contributo para o conhecimento da Evolução da Vida nos
oceanos. Este é um dos muitos prémios e condecorações atribuídas a
Dolf Seilacher. Em Portugal, este documentário que correu mundo nas
salas Imax, teve apresentação única no Centro Cultural Raiano em
Maio de 2005, onde o Professor discursou para uma sala cheia,
naquele que porventura foi um dos momentos mais significativos e
prestigiantes de toda a história deste espaço cultural do concelho
de Idanha-a-Nova.
A exposição Arte Fóssil, idealizada
por Dolf e magistralmente executada pelo curador Hans Luginsland,
ilustra 50 anos das mais significativas descobertas realizadas por
todo o mundo e que levaram à atribuição, em 1992, do prémio
Crafoord pela Real Academia das Ciências da Suécia (que abrange
áreas do conhecimento mundial não contempladas pelo Prémio Nobel).
Com o galardão máximo em ciências (e com o dinheiro ganho), Dolf
Seilacher realizou viagens científicas por todo o mundo, desde os
desertos da Namíbia e da Austrália às costas da Terra Nova e do
Japão, gerando novos contributos para o conhecimento da Evolução da
Vida e divulgando a Paleontologia, através da exposição Arte
Fóssil, como uma das mais importantes ferramentas para o seu
conhecimento. Foi desta forma que esteve pela primeira vez no Sítio
Paleontológico de Penha Garcia, no verão de 2000, tendo regressado
por uma segunda vez em 2005.
A exposição internacional Arte Fóssil
integra mais de 50 moldes de fósseis, icnofósseis (incluindo
icnofósseis de Penha Garcia), fenómenos geológicos e gravuras
rupestres, provenientes de todos os continentes e representando
mais de 3000 milhões de anos de evolução do comportamento
biológico. A Arte Fóssil conta com quase 20 anos de existência,
tendo sido exibida anteriormente em museus célebres de todo o
mundo, nomeadamente no Tübingen Geological Museum e nos museus de
Colónia e Karlsruhe (Alemanha), Royal Tyrrell Museum of
Paleontology e no Royal Ontário Museum (Canadá), Utah Museum of
Natural History (Salt Lake City, E.U.A.), Schiele Museum of Natural
History (North Carolina, E.U.A.), Peabody Museum of Natural History
na Yale University (Connecticut, E.U.A.), National Museum of Tokyo
(Japão), Museu de Ciências e Tecnologia (Porto Alegre) e Estação
Ciência (São Paulo), no Brasil, Centro Cultural Raiano
(Idanha-a-Nova), Museu Nacional de História Nacional, em Portugal,
entre muitos outros museus e instituições por onde passou mais
recentemente. Resultado último das decisivas contribuições do
professor Adolf Seilacher sobre o modo como a vida transformou a
paisagem dos fundos oceânicos, a Arte Fóssil é uma exibição
provocadora e actual, que integra a ciência, a arte e a divulgação
num mutualismo que se pretende desenvolver. Um novo apelo à
descoberta da ciência e à capacidade de nos interrogarmos sobre as
nossas origens e os enigmas da Natureza.
O Município de Idanha-a-Nova, por
ocasião da candidatura do território do actual Geopark Naturtejo da
Meseta Meridional à Rede Global de Geoparques da UNESCO, teve a
visão de trazer a exposição Arte Fóssil de regresso à Europa e para
Portugal, onde esteve por um ano (2005), primeiro no Centro
Cultural Raiano, onde foi visitada por mais de 4000 pessoas ao
longo dos poucos meses em que esteve em Idanha-a-Nova, e depois
patrocinando a sua passagem pelo Museu Nacional de História Natural
em Lisboa, onde no verão de 2005 terá sido visitada por mais de
15000 pessoas, dando visibilidade do projecto pioneiro em Portugal
de desenvolvimento de um Geoparque.
O Professor Seilacher deixa um
legado fundamental em Idanha-a-Nova. Para além das duas edições em
português do seu catálogo Arte Fóssil editados pela Câmara
Municipal de Idanha-a-Nova em colaboração com o Museu Nacional de
História Natural, o Professor contribuiu para internacionalização
do Parque Icnológico de Penha Garcia com a publicação do seu mais
consagrado livro Trace Fossil Analysis, em 2007. Ele também
contribuiu decisivamente para a candidatura do geoparque à rede da
UNESCO com o artigo Penha Garcia - World Heritage/Património
Mundial. Estes e outros trabalhos de sua lavra foram publicados nas
obras Geoturismo e Desenvolvimento Local/Geotourism and Local
Development e Cruziana'05 - Da Descoberta ao Reconhecimento, com
edição pelo Município de Idanha-a-Nova em 2009 e 2005,
respectivamente.
Por estas razões e pelos trabalhos
científicos e de valorização patrimonial que foram e estão a ser
desenvolvidos no âmbito do Geopark Naturtejo, a Comunidade
Científica Internacional decidiu que o próximo Congresso
Internacional de Icnologia, o maior evento nesta área científica da
Paleontologia, será realizado em 2016 em Idanha-a-Nova, uma
oportunidade para celebrar a herança de Dolf Seilacher e de prestar
tributo a este cientista internacional e a Jordi de Gibert,
paleontólogo ibérico de renome internacional também desaparecido.
Esta é também a oportunidade de avançar com os trabalhos de
valorização museológica, de forma consistente e que dignifique não
só a região mas o país, de um dos patrimónios hoje mais
reconhecidos internacionalmente em Idanha pela comunidade
científica - o Parque Icnológico de Penha Garcia, visitado
anualmente por 14000 pessoas, mas que requere uma estrutura
museológica que mostre toda a relevância científica e cultural do
magnífico vale do Ponsul, nesta localidade.
Não se pode terminar esta homenagem
ao Professor Dolf Seilacher sem falar da sua musa de há 57 anos:
Edith Drexler. Esta micropaleontóloga cedo abandonou os seus
ostracodos para acompanhar Dolf Seilacher nas suas aventuras e
descobertas pelo mundo. Edith é a face não menos reconhecida dos
trabalhos de Seilacher, é ela a responsável por manter o
investigador no campo, junto dos seus (icno)fósseis e longe dos
computadores, de que se dizia orgulhosamente "virgem"! Sem dúvida,
uma relação simbiótica de sucesso, que agora se vê perturbada pelo
desaparecimento de Dolf Seilacher. Os nossos pensamentos e afectos
estão hoje com esta amiga da região, Edith.
Muitos breves são estas linhas para
descrever a vida e obra de um dos grandes génios da Ciência
contemporânea. Era impressionante ver este senhor na sua bonita
idade, em trabalho de campo, desde manhã cedo ao cair do dia,
discutindo entusiástica e alegremente sobre um pormenor que escapa
a todos, partilhando ideias com o colega mais genial ou com o aluno
mais principiante. Era impressionante acompanhar este senhor num
congresso, sempre atento às novas descobertas e pronto a intervir a
cada comunicação com a sua pertinência contagiante. Assim era Dolf
Seilacher e a sua querida relação com as Ciências Geológicas e
Biológicas: uma vida inteira dedicada à investigação e divulgação
científicas, um olhar apaixonado para o seu objecto de estudo que
nos revela hoje, de forma actual, mais de 3000 milhões de anos de
histórias da Natureza, através dos indícios deixados pelos seus
protagonistas.